Sempre que falamos sobre o brincar, nos vem à cabeça o mundo infantil.Mas, depois de acompanhar a Copa do Mundo no Brasil, posso afirmar que o brincar faz parte da vida inteira do ser humano. Nossas expressões e reações durante uma partida de futebol se parecem em muito como comportamento infantil perante os jogos. E aqui não há um desmerecimento, ou rebaixamento do adulto, pelo contrário, acredito e constato a importância do mundo lúdico na vida de crianças e adultos. Brincar é viver!
No mundo infantil, a brincadeira é de uma seriedade ímpar. Crianças que não brincam podem ficar doentes e comprometidas em muitos aspectos psíquicos. Em 1995, terminava o curso de Psicologia e resolvi fazer meu trabalho de conclusão sobre o mundo do brincar na antiga Febem (atual Fundação Casa) e, para minha surpresa, não havia brinquedos na instituição que abrigava centenas de crianças de 0 a 12 anos.
Porém, como sempre digo, elas são mais inteligentes do que imaginamos e buscam incessantemente uma forma de brincar. Quando percebi a falta de brinquedos, rapidamente me deparei com outros construídos por elas, que aproveitavam tudo, tudo mesmo, que estava à sua volta.
O primeiro menino que vi na Febem, com cerca de 5 anos, estava correndo no pátio de carros com uma linha de costura e uma pipa feita de papel de caderno – a pipa caseira voava alto, ultrapassava em muito os muros daquela triste instituição. O sorriso daquele menino nunca me saiu da cabeça, o prazer transbordava no seu rosto.
Na época, escrevi: “Naqueles momentos que se seguiram, a sensação que me deu foi de que, com aquela brincadeira, essa criança conseguiria ultrapassar os limites físicos e imaginários daquela instituição. Esse jogo parecia representar o voo que, poderíamos pensar, lhe possibilitava ter esperança sem relação a seu presente e futuro, já que permitia mentalmente voar com sua pipa, tendo o controle do direcionamento e da altura do seu brinquedo. Ele era, naquele instante, o dono do seu destino”.
Fui descobrindo naquele espaço de abandono que as crianças usavam muitos brinquedos feitos comfios e objetos largados. Fiquei fascinado com algumas geringonças que eles fabricavam com linhas de costura, como quem diz: “Estamos tentando costurar nossa alma rasgada pelo abandono”. Brincar consola, repara, faz esquecer e lembrar ao mesmo tempo, nos vincula com os outros e com a vida.
Nós, adultos, não abandonamos o mundo do brincar, apenas o esquecemos temporariamente e, em diversas vezes, voltamos a ele com saudosismo. A Copa do Mundo foi um desses momentos, em que crianças e adultos se encontraram em um mesmo campo da ludicidade. Enquanto o jogo rola, não há coisa mais importante do que fazer parte dessa evasão da vida real. E, quando ele termina, voltamos à vida corrente,mais felizes (dependendo do resultado), mais fortalecidos e experientes para a próxima partida.
Como disse Johan Huizinga (1872-1945), escritor de um dos mais importantes livros sobre essa temática – HomoLudens –, o brincar “ornamenta a vida, ampliando-a, e nessa medida torna-se uma necessidade tanto para o indivíduo, como função vital, quanto para a sociedade, devido ao sentido que encerra, à sua significação, a seu valor expressivo, a suas associações espirituais e sociais, em resumo, como função cultural”.
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